MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA

MEDICALIZAÇÃO NA INFÂNCIA

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Medicamentos em excesso para crianças

Emanuele

A criança mexia na cabeça sem parar, colocava a mão perto do ouvido com muita freqüência e não conseguia dormir direito. Diante do quadro, a mãe não teve dúvidas: "É otite". Foi buscar um antiinflamatório na sua farmácia caseira, no armário do banheiro, e aplicou o remédio no ouvido do filho --na época com um ano de idade. Mesmo com três aplicações diárias, a criança não melhorava. Depois de dois dias, ao fazer um cafuné na criança, a mãe descobriu o que realmente a incomodava: "Era piolho".

O erro cometido pela publicitária gaúcha Sandra Maria Madalosso Rodrigues, 37, com seu filho Joel, 2, não foi o único. "Vou ser franca, esses enganos acontecem de vez em quando. Penso que é uma coisa e começo a tratar, mas, quando chego no pediatra, é outra", diz Sandra, que anda sempre com remédios na bolsa. "Se o nariz começa a escorrer, dou Naldecon [analgésico e antitérmico], que é o que normalmente as mães dão; se está enjoado, dou Tylenol [analgésico e antitérmico]. Mas todos esses são remédios fracos."

Fortes ou fracos, é preciso ter sempre em mente que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Ou, como prefere a médica Lúcia Ferro Bricks, "a diferença está em quem receita o medicamento". "O uso indevido do paracetamol [princípio ativo do Tylenol, na lista dos remédios "fracos" da publicitária], por exemplo, pode causar lesões no fígado e até a morte", afirma.

Pediatra do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (SP), Lúcia escreveu um estudo recente com o objetivo de rever a funcionalidade dos remédios dados a crianças para infecções respiratórias.

Na maioria dos países, segundo a pediatra, os três grupos de medicamentos mais utilizados em crianças --antibióticos, analgésicos/antitérmicos e medicamentos com ação no aparelho respiratório-- são indicados para o tratamento dos problemas respiratórios. "Muitos desses remédios são utilizados de forma inadequada, além de problemas como erros na dose, intervalo de administração e tempo de uso", afirma a pediatra em seu estudo.

Com o fácil acesso aos remédios, o forte apelo da publicidade e a recorrente alegação da "falta de tempo" para levar os filhos ao médico, o uso indiscriminado de medicamentos em crianças tem se tornado um hábito. E, diferentemente do que muita gente pensa, mesmo os remédios que podem ser comprados sem prescrição médica podem causar danos irreversíveis à saúde da criança --se usados de forma incorreta ou sem necessidade.

Para a presidente do Departamento de Segurança da Criança e do Adolescente, da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renata Waksman, os hábitos culturais, a educação, a falta de legislação e, principalmente, o fácil acesso às farmácias contribuem para o alto nível de automedicação no país. Mas Renata levanta outro problema: "Existe abuso dos dois lados. Há os pais que não consultam os médicos e os médicos despreparados, que precisam se atualizar. Muitas vezes, quem leva a informação para um colega que está longe é o propagandista do laboratório, com um estudo e meia dúzia de amostras grátis debaixo do braço", afirma Waksman.

Esse não é um mal que atinge somente países em desenvolvimento. No início deste mês, a Academia Nacional de Farmácia da França divulgou uma pesquisa que evidencia uma freqüência alarmante nos erros de prescrição e de administração de medicamentos em pediatria. O estudo, coordenado por Françoise Brion, chefe do serviço de farmácia no hospital Robert-Debré (em Paris), foi realizado em 14 hospitais com 2.000 crianças menores de seis anos, hospitalizadas em 28 serviços pediátricos.

Entre outros dados, a pesquisa revelou que, em mais de um terço das aplicações de medicamentos injetáveis, a posologia e o modo de administração não correspondiam às recomendações da bula. Já os comprimidos, em cerca da metade dos casos, foram prescritos sem que a autorização de comercialização incluísse sua utilização em crianças com menos de seis anos -para aproximá-los da dosagem ideal, os comprimidos eram cortados ao meio ou esmigalhados de forma caseira, na maior parte das vezes.

"O médico prescreve remédios sem autorização para uso infantil, com cálculo exagerado da posologia e sem detalhar o protocolo a ser seguido. A enfermeira administra os medicamentos cuja dosagem e posologia são inadequadas, o que acaba requerendo adaptações grosseiras para cada paciente", afirma Françoise Brion, que acredita que a indústria farmacêutica precisa "aumentar os experimentos clínicos para que novos medicamentos de uso pediátrico sejam autorizados".

"Tenho pavor de pronto-socorro porque tive uma experiência que não foi boa. Levei minha filha lá num fim de semana e eles deram uma inalação de adrenalina, pois pensaram que ela tinha bronquite. Ela piorou. Na segunda, a pediatra disse que era laringite", afirma a artesã e dona-de-casa Eunice Florentino da Costa, 40, cuja filha, Camila, tem cinco anos.

Para evitar os prontos-socorros, Eunice resolveu ela mesma medicar sua filha em outra ocasião que a criança começou a tossir. "Usei um antialérgico que eu já tinha em casa, pois a médica havia receitado mais ou menos um mês atrás. Dei por três dias e ela não melhorou. Aí, fui ao médico e era sinusite. Teve de tomar antibiótico", diz.

Dicas:
*Siga as recomendações dos pediatras. Não dê medicamentos por conta própria para o seu filho, isto pode ser prejudicial à saúde.
*Na hora em que receber uma prescrição para seu filho, assegure-se de que tudo o que foi explicado está devidamente entendido. Em caso de dúvidas, pergunte antes de sair do consultório.
*Leia todas as informações das bulas e siga as orientações fornecidas pelo laboratório.
*Não use medicamentos contra tosse e resfriado em crianças com menos de dois anos de idade, a não ser que você receba orientações específicas de um médico para usá-los.
*Não dê doses maiores do que as recomendadas para uma criança ou em intervalos de tempo diferentes daqueles estabelecidos para cada medicação. O excesso de medicação pode trazer danos irreversíveis à saúde da criança. Certifique-se de que a dose correta está sendo dada à criança.
*Não suspenda um medicamento antes do prazo de uso estipulado pelo médico. Qualquer dúvida deve ser conversada com o pediatra.
*Não dê medicamentos de "USO ADULTO" para crianças. Use apenas os medicamentos de "USO PEDIÁTRICO".
*Informe ao pediatra todos os medicamentos que a criança está usando, para que o médico possa revisar e aprovar o uso combinado desses medicamentos.
*Use o dispositivo de dose que acompanha a embalagem do medicamento para oferecê-lo a uma criança. Ou seja, use o conta-gotas, colher medida ou o copo-medida que acompanha a embalagem do medicamento. Não troque por outro dispositivo como colher de chá, colher de sopa, etc. Isso pode alterar a dose que está sendo oferecida à criança. Caso não entenda como usar este dispositivo, NÃO USE. Pergunte primeiro ao médico sobre o uso correto do medicamento.
*Medicamentos contra tosse e resfriado apenas tratam os sintomas1 do resfriado como congestão, febre2, dor e irritabilidade. Eles não curam o resfriado. A criança melhora com o passar do tempo e evolução da doença, principalmente com o aumento da oferta de líquidos e repouso.
*Caso a criança não melhore ou piore, pare de usar o remédio e procure imediatamente um médico.
*Qualquer reação da criança ao uso de um novo medicamento deve ser imediatamente comunicada ao médico.
*Não deixe medicamentos ao alcance das crianças. Eles devem ser guardados em armários fechados e em uma altura que impeça o acesso das crianças aos mesmos.

sábado, 10 de abril de 2010

HIPERATIVIDADE:
BÁRBARA
Sou psicóloga e recebi um paciente de 8 anos com o diagnóstico de DDA (ou TDAH) feito por um Neurologista, baseado num EEG, mas em minhas pesquisas descobri que o diagnóstico é clínico. Tenho me indagado se esse diagnóstico não pode estar equivocado, visto que a sua vida tem sido muito complicada, com uma família bastante desestruturada. Ele apresenta muita agitação e desconcentração na escola e em casa, porém em meu consultório, nunca deixa sem terminar o que inicia: desenhos bem elaborados e construções muito criativas com sucata. O que acham?

Pais dão remedios as crianças em exagero pra febre

Para controlar a febre, a maior parte dos pais medica demasiado as crianças
BÁRBARA

.Investigadores do Johns Hopkins Children's Center, nos EUA, estudaram a forma como os pais reagem aos estados febris dos filhos e concluiram que a maior parte tende a medicar demasiado as crianças.
Na opinião do líder da pesquisa, o médico Michael Crocetti, os pais devem ser alertados, de cada vez que os filhos adoecem, para o facto de a febre ser um mecanismo de defesa do organismo e que os medicamentos para controlar a febre também têm, eles póprios, os seus riscos. A excessiva medicação pode conduzir a intoxicações medicamentosas
E realmente tem muitos pais que dão medicamentos em excessos às crianças para baixar a febre. As crianças devem ser medicadas quando a criança tiver com a temperatura igual ou maior que 37,8ºC e também deve-se tomar medidas antes para baixar a febre, como um banho de morono prá frio, fazer compressas de água e alcool nas axilas e testa, e se a criança tiver com muita febre deve-se fazer também estas compressas nas virilhas.

terça-feira, 16 de março de 2010

Medicalização na infância - Gislaine

11/07/2009 - 21:32
A Medicalização da Infância
Gostaria de levantar algumas questões acerca do crescente número de crianças medicalizadas. O que está em jogo quando uma criança não consegue ficar quieta, quando sua atenção e concentração estão desviantes, quando ela põe-se a transgredir? Será que todo sintoma na criança é passível de ser dosado através de medicamento? Será que podemos esperar dos medicamentos um alívio para a angústia nas crianças? Ou podemos avançar e questionar-mos acerca das causas de um sintoma e do fato que a condição de criança está irremediavelmente ligada à dependência aos pais, cuja tarefa de educar inclui o acesso à subjetividade e a socialização.
Educar é tarefa árdua e sem garantias, porém é imprescindível que os pais possam responsabilizar-se pelo que acontece a seus filhos. A medicalização, nestes casos, pode ter o efeito de aliviar e apaziguar os pais sem que eles possam ter tempo de se incluir subjetivamente no sintoma dos filhos. O adormecimento frente à possibilidade de uma elaboração dificulta que os pais possam tomar as rédeas da educação dos filhos, ficando somente a cargo do medicamento a incumbência de dosar os déficits ou as hiperatividades.
Sabemos que os sintomas nas crianças revelam o que há de oculto na subjetividade dos pais, que não apareceria se a criança não os encenasse. É na cena de seu sintoma que a criança revela algo que a ultrapassa, que ela desconhece e que lhe causa angústia. No entanto, os sintomas são apelos, sinais de que algo não vai bem, pois precisa ser mostrado e endereçado a alguém. Trata-se de um apelo endereçado aos pais para que possam pela elaboração, se reposicionarem na relação com a criança, já que estão fora de lugar. Portanto, cabe aos pais a tarefa de barrar os excessos nas crianças, pois quando se esquivam de sua função elas angustiam-se.
É preciso que se compreenda que a educação não pode ser terceirizada pela medicina, nem pela escolarização. A medicina e o saber médico, cuja importância e valor são reconhecidos na vida de todos nós, precisam estar atentos para não obturarem a possibilidade de que algum questionamento possa surgir por parte dos pais, cuja elaboração pode reconduzi-los ao lugar que é o deles. A demanda excessiva pela medicalização da infância, em casos onde a palavra poderia oferecer uma elaboração, pode ter efeitos nocivos à subjetividade da criança, pois ela ainda está se constituindo. Assim, podemos concluir que quando faltam limites e leis simbólicos que orientam e interditam, as crianças encenam no corpo a ausência destes limites.
Autor: andreamatv@superig.com.br - Categoria(s): ArtigosTags:

Medicalização na infância - Gislaine

A medicalização da infância: um mercado em expansão.
Monica Lavoyer Escudeiro *
Há quase vinte anos, acompanho estarrecida a crescente marcha da nova frenologia dos distúrbios mentais. Especificamente, o desenvolvimento do que parte dos psiquiatras e neuropsicólogos denominam de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH. Nos EUA, cerca de 1,5 milhão de crianças diagnosticadas com TDAH estavam sendo tratadas com psicoestimulantes (metilfenidato) em 1996. Um aumento de 2,5% entre os anos de 1990 e 1995 evidencia uma explosão na casuística, caracterizando proporções epidêmicas. Este quadro chamou a atenção das políticas públicas de saúde e do Congresso Americano, tendo suscitado veementes discussões sobre aspectos psicossociais. Somente em 1995, meio milhão de crianças entre 3 e 6 anos receberam prescrições de Ritalina (nome comercial do metilfenidato), segundo estimativas da Associação Psiquiátrica Norte-americana. A medicalização do TDAH, entretanto, aumentou muito mais nos últimos anos. A Associação de Psicologia Americana, em junho de 2001, na revista Monitor on Psychology1, informa que mais de 2 milhões de prescrições de Ritalina são feitas a cada ano, uma estarrecedora taxa de 4 crianças por minuto. Tanto aquela instituição, quanto a Academia Norte-americana de Psiquiatria Infantil e de Adolescentes, reconheceram a necessidade de maior rigor nos diagnósticos, recomendando aos especialistas que não se baseassem somente em inventários de sintomas ou em queixas de pais e professores.
No Brasil, o quadro segue este preocupante ritmo a passos largos. Programas de difusão e tratamento do TDAH vêm sendo criados, tendo como premissa que a hiperatividade infantil é uma doença orgânica e que precisa ser medicada através do uso regular de psicoestimulantes como a Ritalina e o Concerta. O que ninguém ressalta é o fato de que alguns desses grupos de pesquisa e de esclarecimento à população são financiados pelas indústrias farmacêuticas que fabricam os medicamentos indicados no tratamento. Qualquer um pode verificar estes eventuais conflitos de interesses caso reserve tempo para uma busca na internet. As empresas Jansen-Cilag, Elli Lilly, Novartis e GlaxoSmithKline, que comercializam os medicamentos Concerta, Straterra, Ritalina e Dexedrina, todos largamente usados no lucrativo mercado do TDAH, financiam as pesquisas clínicas de associações que afirmam seguir, dentre os valores que norteiam seus programas, a ética na pesquisa e universalização dos conhecimentos.
Diante do que se considera um exagero diagnóstico e da exacerbada incidência de equívocos nas pesquisas, há uma clara indicação de que os critérios de inclusão diagnóstica, obtidos dos instrumentos mais usados – CID-10, DSM-IV, Escala de Conners – careçam de especificidade. A pesquisa de 1994 em João Pessoa (PB)2 para a validação desta escala em sua versão brasileira, adaptada da versão original inglesa abreviada por Conners, por exemplo, demonstrou forte inconsistência. De acordo com o relatório da pesquisa, a capacidade dos respondentes é questionada ao mesmo tempo em que valida o instrumento. A falta de consenso entre pais e professores na identificação da criança como hiperativa e desatenta foi considerada como uma falha na capacidade perceptiva deles. A falha perceptiva dos pais é justificada como decorrente da falta de noções gerais para uma boa criação em função de fatores psicossociais e, em relação aos professores, considerou-se que eles careciam de uma boa preparação psicopedagógica à altura de poderem detectar tais condutas. Qual foi então a conclusão da pesquisa? De que o número de crianças hiperativas deveria ser maior do que o que foi obtido na pesquisa.
Uma das conclusões que qualquer estudante de psicologia é capaz de fazer é considerar improcedente atribuir-se a causa da hiperatividade a distúrbios de ordem neurológica ou bioquímica, quando o contexto de desenvolvimento do qual a criança participa está comprometido. A amostra de diversas pesquisas que adotam o modelo médico do fenômeno, aponta fatores como depressão materna, alcoolismo, “nervosismo” como indicadores genéticos de predisposição ao TDAH e não como fatores psicossociais que afetam o equilíbrio emocional e cognitivo das crianças. Fatores que evidenciam desarmonias na vida de relação e que comprometem a qualidade do processo socializante em seus diversos matizes. Nesta situação, diagnosticá-la como tendo um transtorno mental (TDAH) é dizer que todo seu comportamento é resultado de um cérebro que não funciona como deveria, eliminando toda e qualquer influência ambiental em seu modo de ser e agir no mundo.
Valente (1998)3, em sua tese de doutorado, chama a atenção para a armadilha da neofrenologia dos distúrbios mentais, facilitada pelo uso das sofisticadas técnicas de neuroimagem. Afirma que achados de diferenças morfológicas ou metabólicas em amostras de pessoas com o transtorno precisam ser interpretadas como evidências de tendências, e não como comprovação de uma relação causal. Neste sentido, a declaração de Maryland, do National Institutes of Health Consensus Conference on Attention Deficit Hyperactive Disorders de 1998, continua atual: “Até agora, nós não temos um teste-diagnóstico para o TDAH (bioquímico, fisiológico, anatômico, genético, etc.), portanto, a validade da desordem continua a ser um problema”.
O termo TDAH, aplicado ao comportamento infantil, não é adequado, por transformar um processo dinâmico em fenômeno estático. Desta forma, modalidades de expressão comportamental como “falar muito” e “não permanecer quieto na cadeira”, em vez de definirem uma atividade entre pessoas, ou entre uma pessoa e o ambiente, perdem seu significado relacional e transformam-se na categoria “hiperatividade” do DSM-IV. Esta abstração de um sistema dinamicamente interativo permite que tais comportamentos sejam reificados, tornando-os passíveis de catalogação numa entidade nosológica estanque, como é feito no DSM-IV e na CID-10. Perde-se toda e qualquer singularidade do comportamento humano para que o indivíduo seja diagnosticado e medicado.
Tanto aspectos referentes à inclusão diagnóstica devido às questões de intensidade como, por exemplo, “algazarra excessiva”, como aspectos diferenciais devido a comorbidades, confundem o diagnóstico e o tratamento. Mas quanto à etiologia, fisiologia, neurologia, avaliação e diagnóstico do TDAH, não há consenso em nenhuma parte do globo terrestre. Parece haver harmonia somente em um item de toda esta polêmica: a indicação de psicoterapia no tratamento. Defensores dos modelos médicos e dos modelos psicossociais do fenômeno a defendem para uma boa resolução da hiperatividade e falta de atenção. Mas, diferentemente do que alardeiam os grupos e associações de Déficit de Atenção, não é condição necessária que seja a Terapia Cognitivo Comportamental-TCC. Estes grupos vêm afiliando psicólogos em todo o território nacional, baseados na falsa premissa de que somente a TCC é capaz de ajudar na redução da hiperatividade infantil. A título de demonstração, vejamos a pesquisa de Gorodscy (1991)4. Sob o referencial da psicomotricidade relacional, 22 crianças diagnosticadas com Distúrbio do Déficit de Atenção com Hiperatividade, DDAH (sigla da época da pesquisa) foram avaliadas psicologicamente. Observa-se que nenhuma delas estava fazendo uso de medicação. Nesta abordagem, concebe-se que as crianças hiperativas usam o corpo como “expressão comunicativa”. Todas as crianças da amostra demonstraram vivências de desconforto e sofrimento em suas relações. Maus-tratos, expulsões de escola e cobranças diversas eram comuns em suas vidas. A seu próprio respeito, algumas crianças transitavam de um polo a outro do conceito maniqueísta, ser bom ou mau era motivo de ansiedade constante. Quanto ao desenvolvimento afetivo inicial, a pesquisa ressaltou aspectos negativos no processo socializante, como: sentimentos de insegurança, pouca continência e confiabilidade. Das 13 crianças que puderam freqüentar as sessões psicoterápicas individuais e semanais, por um período de seis meses a um ano, todas apresentaram redução da hiperatividade, aumento do rendimento escolar e melhoria na organização psíquica. Os resultados foram considerados como forte evidência da origem psicodinâmica da síndrome hiperativa em crianças neurologicamente normais.
No entanto, sob a legenda de que a sociedade está desinformada acerca do distúrbio, as indústrias farmacêuticas e suasassociações geram evidências para provar que crianças hiperativas e desatentas sofrem de um distúrbio orgânico, que o tratamento é fácil e está ao alcance de todos, bastando estender as mãos e engolir.
* Monica Lavoyer Escudeiro é psicóloga clínica e mestre em Psicologia Social pela UERJ (2001) com a dissertação “O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e a Atribuição de Causalidade”. É Pós-graduada em Psicologia Cultural pela Universidade da Califórnia (Santa Cruz, EUA) e em Psicologia Cognitiva pela Universidade de Stanford (Palo Alto, EUA).
1 DAW, J. (2001). The ritalin debate. Monitor on Psychology. Washington, v.32, n.6, p.64.
2 BARBOSA, G.A. (1994). Transtornos Hipercinéticos: validação do questionário de Conners em escolares de João Pessoa. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Rio de Janeiro, v.43, n.8, p.445-453.
3 VALENTE, A.B. (1998). Funções executivas na criança com déficit de atenção: Avaliação utilizando testes neuropsicológicos e atividades de programação logo. 230f. Tese (Doutorado em Neurologia e Neurociência). Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
4 GORODSCY, R.C. (1991). A criança hiperativa e seu corpo: um estudo compreensivo da hiperatividade em crianças. 166f. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.